domingo, 17 de outubro de 2010

A Solução Final

Sempre acreditei que os suicidas eram uns covardolas, e que a menos que fosse no caso de um doente terminal, ou alguém com a vida irremediavelmente arruinada que era um acto incompreensível.
Até agora.
A verdade é que em duas semanas investiguei muito o tema, e até cheguei a seleccionar três métodos. Enforcamento por long drop, queda de edifício alto, e inalação de HCN. Não sabia que as sementes de maçã e pêra continham cianeto. Sempre a aprender...
Porquê isto? Porque de manhã não tenho motivação para tirar os pés da cama e me arrastar pelo dia até cair nela outra vez. Porque às vezes a sensação de perda é como caminhar sobre cacos de vidro partidos de pés descalços, porque a minha memória me prega partidas e me deixa em lágrimas com o que tive e tão cedo não voltarei a ter. A perda do único pedaço perfeito que eu e o Lado Solar partilhávamos e nos unia foi algo brutal, a responsabilidade* assumida pelos acontecimentos que aí levaram foi o choque final que estilhaçou o nosso coração de vidro. Belo mas frágil, partido em mil bocados, irreparável. Restou-nos chorar.

Não irei fazê-lo. Pelas pessoas que ficariam a chorar-me, pela dor que provocaria. Além de que já não rastejo pela terra, mas gatinho-a, e talvez um dia me venha a por de pé e a ficar muito grato por ter decidido olhar em frente e enfrentar a dor e vencê-la com o meu único aliado - o tempo.
Nisto quero o mesmo que o Lado Solar, que um dia alguém me convença a reconstruir o nosso coração de vidro, ainda mais belo que o anterior, e que os depositemos em mãos macias e seguras, que o guardem para nós.

PS: A minha mudança de ideias quanto ao suicídio ficou, contudo. Sou pró-escolha. É errado por-se um suicida na cadeira de um psiquiatra. Um suicida precisa de um amigo que lhe mostre que a sua noite é seguida do nascer do sol, que jogue com ele às cartas, à luz das velas na noite escura. Sem a bata branca.

*Responsabilidade, como em algo em que fizemos o nosso melhor para estar à altura, para mostrarmos segurança quando nadávamos num lago de incerteza, para abraçar quando precisávamos de ser abraçados, para adivinhar os sentimentos de quem mais gostávamos antes dela própria os sentir.
Algo em que mesmo assim falhámos. Fizemos o nosso melhor, mas falhámos onde não podíamos falhar, magoámos mais do que pode ser recuperado.
Não sei se era impossível fazer melhor nas circunstâncias, ou se simplesmente nos esquecemos. Não tivemos a vida fácil, e fomos confrontados com uma situação que arrepia muita "gente grande" e os faz falhar até mais que nós. Mas é pouco consolo, para um castigo exemplar.

P.

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